20 fevereiro 2007

A Walkiria e outras lanchas baleeiras dos Açores






Dos muitos anos que levo tirando o melhor proveito das coisas do mar, só uso motor quando não há outra opção pois habitualmente navego em barcos à vela. No entanto, podem crer que, muitas milhas já corri por esse Atlântico com a ajuda do “vento de porão”.
Na viagem que fiz num veleiro aos Açores em 2005, tive oportunidade de ver e de navegar também, num dos botes baleeiros que em tempos idos dos séculos XIX e XX, tripulados por homens destemidos, eram usados para a caça à baleia.


A que propósito vem isto? É que as baleias, depois de avistadas por observadores colocados em terra em lugares estratégicos (vigias), eram perseguidas e arpoadas, mas para haver êxito teriam os botes de fazer a procura e a aproximação tão rápida e silenciosa quanto possível.
Entrava aqui um meio de auxílio que era a lancha a motor. Rebocava dois ou mais botes até próximo do animal a capturar, deixando-os então fazer a aproximação final, quer à vela quer a remos. A lancha mantinha-se na zona, acorrendo de pronto logo que houvesse necessidade, mas tinha também por finalidade, rebocar os animais capturados de volta à origem, ou ao local onde o armador indicasse.
Nos tempos em que as ligações entre ilhas eram raras e demoradas, foram as lanchas que salvaram muita gente doente que carecia de tratamento nos hospitais da Terceira e do Faial.
Coincidiu a minha estadia na Horta, com as festas da cidade e a Semana do Mar.
Um belo dia despertou-me a curiosidade uma cerimónia que se estava a realizar e verifiquei que se tratava do novo baptismo da lancha “Walkíria”.


Depois do fim da caça à baleia nos anos oitenta, as lanchas e botes foram aos poucos abandonados. Recentemente surgiram boas vontades e recursos, quer particulares quer oficiais, que possibilitaram recuperar esse património e assim foi com muita satisfação que vi alguns milhares de pessoas, tanto locais como visitantes, assistirem a uma cerimónia que tanto significado tem para os açoreanos.
Durante o Verão e para além das festas no Faial, também se realizam manifestações identicas em todas as ilhas do grupo central e é muito gratificante ver reunir-se actualmente uma frota de mais de vinte botes baleeiros nas regatas de remo e vela que se disputam. Igualmente se observam seis a oito lanchas, bem recuperadas e vistosamente engalanadas, nessas ocasiões.
Interessante é que a deslocação dos botes continua a ser feita do modo tradicional e tive a oportunidade de observar como, vinda da Graciosa ( cerca de 50 milhas de distância ), chegou à Horta a grande velocidade a “Estefânia Correia” com dois desses botes a reboque.
Do Pico, para participar e dar côr à cerimónia em que a “Walkíria” iria ser rebaptisada, vieram a “Cigana”, a “Garota”(SR-37- B) , a “Rosa Maria”(LP-70-B) e a ”José Alexandre”(SG-160-B).
S.Jorge e Terceira igualmente marcaram presença, esta última com a “Bicuda”(AH 495 TL). Ficou-me a dúvida, mas creio que das Flores também se deslocou uma lancha.

A chamada “Rainha dos Mares dos Açores” tem uma história rica que merece ser divulgada.

Foi mandada construir pelos proprietários da Armação Baleeira Reis & Mendonça, na
localidade das Velas de S. Jorge em 1937 e registada com a matrícula V- 201 TL, nessa delegação marítima no ano seguinte. Tinha 12,17 m de comp., 2,59 m de boca, 1,32 m de pontal e 10,25 ton. de tonelagem bruta.
Um dos proprietários, o Prof. Rui de Mendonça, amante de música clássica e de Wagner em particular, deu-lhe o nome.
Foram seus construtores dois irmãos, José e Manuel Gambão naturais igualmente das Velas, segundo desenhos de Manuel Inácio Nunes, natural do Pico e com gabinete de projetos e estaleiro em Sacramento ( Califórnia- USA).
Destinava-se a “Walkíria” ao tráfego local e como auxiliar da caça à baleia. Entretanto os proprietários desgostaram-se dela pouco depois de entrar ao serviço devido ao excesso de consumo do seu motor. Tratava-se de um “Scripps” de 143 HP a gasolina (60 litros/hora), que apesar de a fazer atingir, nessa época, a boa velocidade de 15 nós, a tornava economicamente pouco interessante.
No mesmo ano de 1938 foi vendida por sessenta e dois contos de réis a Francisco dos Reis e transferida para a Horta, ficando a fazer o mesmo trabalho e podendo transportar até vinte e um passageiros, com bom tempo.
Em 1946 foi adquirida pelo mesmo valor, pela firma “Reis & Martins” e passou a ter a matrícula H-10-TL , destinando-se a tráfego local no porto da Horta e mais tarde em 1949, à “pesca da baleia”, segundo registos da capitania.
Em 1952 foi requerida a substituição do motor por um novo de 250 HP e 2500 rpm , da marca “Erling”.
Em 1955 foi-lhe instalado um aparelho de radiotelefonia com indicativo CS 4 E e deram-lhe nova matrícula, H-21-B , que se tem mantido até hoje.
Muitos anos passou a Walkiria, com tripulações diversas e dedicadas (normalmente levava um mestre, um motorista e um marinheiro) até que, depois de alguns de repouso ou de esquecimento, foi entregue ás mãos do senhor Monteiro, mestre nas artes de carpintaria naval e num estaleiro da Piedade do Pico rejuvenesceu, para voltar a ser o que era sessenta e oito anos antes.
Foi equipada com um novo e potente motor diesel e meios de navegação modernos, não perdendo contudo a beleza e desempenho originais, uma vez que a vi fazer com mar chão, bem mais de vinte cinco nós.


Várias pessoas e entidades contribuiram, como atrás referi, para a recuperação deste património náutico açoreano, mas neste caso particular deve-se salientar o trabalho desenvolvido pelo Eng. Nuno Lima, director do C.N. da Horta, que com empenho soube concretizar o projeto “Walkiria”.






Dezembro de 2006

João Guimarães Marques