Falar do Joaquim Costa é abrir uma janela e ver entrar um enorme arco iris.
É sentir uma realidade colorida, com muitos tons que não se podem palpar. É uma fantasia. E no entanto olha-se com encantamento.
A pessoa de quem falo viveu connosco aqui na Graciosa mais de 40 anos, cruzou-se muitas vezes nos nossos caminhos, foi companheiro, amigo sincero, foi feliz, teve amores e paixões, sofreu desilusões e dores. Teve afectos à sua volta e cultivou-os como soube. Porventura, como todo o ser humano e como nós todos, que temos virtudes e defeitos, e fragilidades várias, ele as tinha em número e tamanho, que não se pode avaliar.
Muito menos a mim o cabe fazer e ajuizar a sua vida, e os seus comportamentos.
Não podia, nem tenho isenção para o fazer. No entanto, propuseram-me que eu fizesse um depoimento sobre uma imagem que dele fizesse e a tornasse pública.
E faço-o com gosto e emoção, porque falar do Joaquim Costa é necessariamente abrir uma porta que fisicamente se fechou, porque já se cumpriu. Mas portas destas atravessam o nosso imaginário e em sonhos muitas vezes as abrimos, e é nosso, muito nosso o que lá vemos dentro.
Vou abrir uma dessas portas, aquela mesma que muitas vezes abriu o nosso Joaquim de que hoje aqui se faz lembrança. Abrir essa porta é entrar na intimidade da casa da minha avó Cidália, e entrar nela é sentir o estalar da lenha no forno, o cheiro da erva- doce que cobria a massa sovada, o perfume dos junquilhos do altar do Menino Jesus, é ouvir o miar dos gatos que saltam das cadeiras da cozinha, é escutar o canto do periquito e do canário da terra, de penas azuis e verdes. Sempre imaginei que na gaiola eram felizes aqueles pássaros, e o Joaquim afinava muito o assobio com eles, que lhe respondiam no tom certo e com vivaz alegria.
Havia ainda o som do rádio, da grafonola, um cantarolar constante e tudo eram sons dentro da casa de minha avó!
Era escrupuloso e muito limpo o Joaquim. Limpava, varria, varria, lavava e nunca descuidava a sua figura aprumada. Barba feita com navalha, cabelo amarrado em brilhantina, o Joaquim tinha um porte de galã, um sorriso rasgado, uma graça, e sempre um olhar atento a tudo que o rodeava, que registava sem outros recursos.
Porque o Joaquim não podia usar do lápis para tomar as suas notas. Não tinha óculos para poder ler, desculpava-se ele, para evitar o desgosto que tinha de não ter aprendido as letras.
Meu nome é Joaquim Costa, apregoava ele, quando se anunciava a cantar. Que foi com a voz que ele se distinguiu, uma voz clara e potente, aquele que também se dava por, Joaquim dos Fados.
Uma das suas grandes paixões era cantar e muitas letras arquivou ele na sua memória, outras tantas criou, fruto das suas reflexões ou dos improvisos.
De seu nome Joaquim Machado da Costa, nasceu na freguesia das Fontinhas na Praia da Vitória, ia o mês de Fevereiro alto, no ano em que estalou a primeira guerra mundial. A 20 de Fevereiro de 1914, tinham à data do seu nascimento, os pais, 49 e 45 anos, e pode imaginar-se que o regaço da mãe já teria suportado o peso de outras maternidades e mesmo netos. Era uma família grande, ele contava, que depois se mudou para Angra, e como descobriu os seus dotes de cantor, nem eu sei.
Sei que ele veio cantar à Graciosa entre 1943 ou 1944, com os cantadores “estrelas” do momento da Terceira. A Trulu e o Gaitada eram os artistas que abrilhantavam todas as festas de ocasião.
E ele cantou e encantou.
O Joaquim ficou cá com o seu violão, casou-se com minha avó e os dois cumpriram a vida entre fantasias, completando-se ou trilhando as rotas que puderam fazer.
Os tempos não eram propícios ao culto das artes e da música. E esta ilha não teve tamanho nem dimensão para abrigar o virtuosismo da voz que coube no peito do Joaquim. Ele foi sempre uma figura popular, mas extravagante, invulgar, com uma energia e gosto a que se dava baixo valor.
Apesar disso fez muito à escala da época. Participou em diversas festividades, foi cantar às comunidades da diáspora americana, gravou diversas fitas e bobines, perdidas entre o Rádio Clube de Angra ou na mão de privados.
3 discos de vinil foram a sua coroa de glória.
Mas tinha outras ambições o Joaquim Costa e nessa medida ele teve o seu toque de tragédia pessoal, pois sei que nunca se realizou e que se deixou vencer por uma esclerose que lhe abafou o sentido que mais gostava, o ouvido. Caiu-lhe um pano de tristeza no fim da vida e partiu gasto, amargurado e vencido, com 72 anos de idade, vão 21 anos decorridos.
Era educado, um homem simples e são, o Joaquim, e como ele e minha Avó apreciariam ver e estar neste convívio, frequentar esta sala e ouvir as interpretações que outros fazem das palavras e das melodias, que ele tanto amou!
Minha mãe, meus irmãos e eu, ficamos muito reconhecidos para o querido Francisco, que imaginou e construiu este espectáculo, que esperamos seja do agrado de todos, porque eu sei que é o dele.
O nosso sincero agradecimento vai também para os amigos Gaspar, e Valdemiro, que ao longo dos anos têm mantido vivas as nossas tradições, e aos demais que tornam possível este encontro, que se faz no palco e que se dirige ao público que somos nós, fica o nosso apreço a todos.
Talvez nem me fique muito bem partilhar, mas ouso fazê-lo acentuando, a pretexto da generosidade de construir esta lembrança ao Joaquim Costa, que teve o Francisco Lobão.
O Chico perseguiu o sonho dele, que foi e é o de ser CANTOR. Tem o mérito e a sorte de o ter concretizado e de chegar a onde está, na mais prestigiada instituição portuguesa do canto lírico, que é o Teatro Nacional de S. Carlos.
Nessa medida o Chico é um exemplo de vida e a prova de que não há obstáculos impossíveis de vencer.
É um orgulho para nós e obrigada por isso. Parabéns.
Vale a pena ser feliz!
Graciosa, 18 de Novembro de 2007
Maria das Mercês da Cunha Albuquerque Coelho
É sentir uma realidade colorida, com muitos tons que não se podem palpar. É uma fantasia. E no entanto olha-se com encantamento.
A pessoa de quem falo viveu connosco aqui na Graciosa mais de 40 anos, cruzou-se muitas vezes nos nossos caminhos, foi companheiro, amigo sincero, foi feliz, teve amores e paixões, sofreu desilusões e dores. Teve afectos à sua volta e cultivou-os como soube. Porventura, como todo o ser humano e como nós todos, que temos virtudes e defeitos, e fragilidades várias, ele as tinha em número e tamanho, que não se pode avaliar.
Muito menos a mim o cabe fazer e ajuizar a sua vida, e os seus comportamentos.
Não podia, nem tenho isenção para o fazer. No entanto, propuseram-me que eu fizesse um depoimento sobre uma imagem que dele fizesse e a tornasse pública.
E faço-o com gosto e emoção, porque falar do Joaquim Costa é necessariamente abrir uma porta que fisicamente se fechou, porque já se cumpriu. Mas portas destas atravessam o nosso imaginário e em sonhos muitas vezes as abrimos, e é nosso, muito nosso o que lá vemos dentro.
Vou abrir uma dessas portas, aquela mesma que muitas vezes abriu o nosso Joaquim de que hoje aqui se faz lembrança. Abrir essa porta é entrar na intimidade da casa da minha avó Cidália, e entrar nela é sentir o estalar da lenha no forno, o cheiro da erva- doce que cobria a massa sovada, o perfume dos junquilhos do altar do Menino Jesus, é ouvir o miar dos gatos que saltam das cadeiras da cozinha, é escutar o canto do periquito e do canário da terra, de penas azuis e verdes. Sempre imaginei que na gaiola eram felizes aqueles pássaros, e o Joaquim afinava muito o assobio com eles, que lhe respondiam no tom certo e com vivaz alegria.
Havia ainda o som do rádio, da grafonola, um cantarolar constante e tudo eram sons dentro da casa de minha avó!
Era escrupuloso e muito limpo o Joaquim. Limpava, varria, varria, lavava e nunca descuidava a sua figura aprumada. Barba feita com navalha, cabelo amarrado em brilhantina, o Joaquim tinha um porte de galã, um sorriso rasgado, uma graça, e sempre um olhar atento a tudo que o rodeava, que registava sem outros recursos.
Porque o Joaquim não podia usar do lápis para tomar as suas notas. Não tinha óculos para poder ler, desculpava-se ele, para evitar o desgosto que tinha de não ter aprendido as letras.
Meu nome é Joaquim Costa, apregoava ele, quando se anunciava a cantar. Que foi com a voz que ele se distinguiu, uma voz clara e potente, aquele que também se dava por, Joaquim dos Fados.
Uma das suas grandes paixões era cantar e muitas letras arquivou ele na sua memória, outras tantas criou, fruto das suas reflexões ou dos improvisos.
De seu nome Joaquim Machado da Costa, nasceu na freguesia das Fontinhas na Praia da Vitória, ia o mês de Fevereiro alto, no ano em que estalou a primeira guerra mundial. A 20 de Fevereiro de 1914, tinham à data do seu nascimento, os pais, 49 e 45 anos, e pode imaginar-se que o regaço da mãe já teria suportado o peso de outras maternidades e mesmo netos. Era uma família grande, ele contava, que depois se mudou para Angra, e como descobriu os seus dotes de cantor, nem eu sei.
Sei que ele veio cantar à Graciosa entre 1943 ou 1944, com os cantadores “estrelas” do momento da Terceira. A Trulu e o Gaitada eram os artistas que abrilhantavam todas as festas de ocasião.
E ele cantou e encantou.
O Joaquim ficou cá com o seu violão, casou-se com minha avó e os dois cumpriram a vida entre fantasias, completando-se ou trilhando as rotas que puderam fazer.
Os tempos não eram propícios ao culto das artes e da música. E esta ilha não teve tamanho nem dimensão para abrigar o virtuosismo da voz que coube no peito do Joaquim. Ele foi sempre uma figura popular, mas extravagante, invulgar, com uma energia e gosto a que se dava baixo valor.
Apesar disso fez muito à escala da época. Participou em diversas festividades, foi cantar às comunidades da diáspora americana, gravou diversas fitas e bobines, perdidas entre o Rádio Clube de Angra ou na mão de privados.
3 discos de vinil foram a sua coroa de glória.
Mas tinha outras ambições o Joaquim Costa e nessa medida ele teve o seu toque de tragédia pessoal, pois sei que nunca se realizou e que se deixou vencer por uma esclerose que lhe abafou o sentido que mais gostava, o ouvido. Caiu-lhe um pano de tristeza no fim da vida e partiu gasto, amargurado e vencido, com 72 anos de idade, vão 21 anos decorridos.
Era educado, um homem simples e são, o Joaquim, e como ele e minha Avó apreciariam ver e estar neste convívio, frequentar esta sala e ouvir as interpretações que outros fazem das palavras e das melodias, que ele tanto amou!
Minha mãe, meus irmãos e eu, ficamos muito reconhecidos para o querido Francisco, que imaginou e construiu este espectáculo, que esperamos seja do agrado de todos, porque eu sei que é o dele.
O nosso sincero agradecimento vai também para os amigos Gaspar, e Valdemiro, que ao longo dos anos têm mantido vivas as nossas tradições, e aos demais que tornam possível este encontro, que se faz no palco e que se dirige ao público que somos nós, fica o nosso apreço a todos.
Talvez nem me fique muito bem partilhar, mas ouso fazê-lo acentuando, a pretexto da generosidade de construir esta lembrança ao Joaquim Costa, que teve o Francisco Lobão.
O Chico perseguiu o sonho dele, que foi e é o de ser CANTOR. Tem o mérito e a sorte de o ter concretizado e de chegar a onde está, na mais prestigiada instituição portuguesa do canto lírico, que é o Teatro Nacional de S. Carlos.
Nessa medida o Chico é um exemplo de vida e a prova de que não há obstáculos impossíveis de vencer.
É um orgulho para nós e obrigada por isso. Parabéns.
Vale a pena ser feliz!
Graciosa, 18 de Novembro de 2007
Maria das Mercês da Cunha Albuquerque Coelho
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